Lindineide Oliveira Cardoso[1]
Se você tivesse que falar com alguém agora, o que faria? Certamente enviaria um Whatsapp, e-mail, Messenger, porque telefonar seria o último recurso. Afinal, na era digital e virtual nossa comunicação se dá por mensagens escritas, elaboradas através de um simples toque ou de um comando de voz.
Essas mensagens mundialmente trocadas garantem bons negócios, orientam decisões, reduzem custos, constroem a imagem de eficiência e impulsionam carreiras. Já no âmbito das contratações, é incontestável que fiscais e gestores, cada vez mais, adotam o Whatsapp para a comunicação com os contratados, isso porque a ferramenta viabiliza respostas quase que imediatas quanto às demandas relacionadas ao acompanhamento da execução do contrato.
O Whatsapp foi lançado oficialmente em 2009 e logo ultrapassou fronteiras atingindo o extraordinário número de mais de 2 bilhões de usuários ativos mensais, o que faz dele o aplicativo de mensagens mais usado em todo o mundo. No ranking global, o Brasil ocupa a segunda posição, com mais 108 milhões de usuários ativos mensais, perdendo apenas para a Índia que ultrapassa 390 milhões de usuários mensais[2].
Recentemente tanto o Executivo Federal como o Judiciário têm adotado posturas inovadoras via institucionalização de ferramentas que aproximem mais o cidadão do Poder Público, sendo justo validar que tal postura não tem por fundamento a situação de pandemia, ainda vivenciada, a qual apenas açodou a implementação de vários projetos já em andamento.
Para se ter uma ideia da transformação tecnológica no Poder Judiciário, nos últimos anos, restaram concretizadas uma série de resoluções do CNJ sobre o tema, a exemplo das Resoluções CNJ nº 335/2020 (PDPJ-Br), nº 337/2020 (Videoconferência no Poder Judiciário), nº 345/2020 (Juízo 100% Digital), nº 354/2020 (Cumprimento digital de ato processual),nº 358/2020 (ODRs), nº 372/2021 (Balcão Virtual), 385/2021 (Núcleos de Justiça 4.0)[3].
Nesse universo, vale mencionar que a Resolução CNJ nº 354/2020 consignou, entre outras medidas, a possibilidade de realização de notificações e intimações por aplicativo de mensagens (Whatsapp), nos seguintes termos:
- Art. 9º As partes e os terceiros interessados informarão, por ocasião da primeira intervenção nos autos, endereços eletrônicos para receber notificações e intimações, mantendo-os atualizados durante todo o processo.
- Parágrafo único. Aquele que requerer a citação ou intimação deverá fornecer, além dos dados de qualificação, os dados necessários para comunicação eletrônica por aplicativos de mensagens, redes sociais e correspondência eletrônica (e-mail), salvo impossibilidade de fazê-lo. GN
Já no âmbito do Executivo Federal a transformação se torna ainda mais contundente com a publicação do Decreto nº 10.332/2020[4] que Institui a Estratégia de Governo Digital para o período de 2020 a 2022, no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências, cujo resultado já é sentido através do crescente uso da plataforma GOV.BR, assim como pela publicação da recente Lei do Governo Digital (Lei nº 14.129/2021[5]) que tem por objetivo o aumento da eficiência pública, através da implantação de um governo 100% digital, por meio de uma plataforma única e segura que atenda aos princípios da Lei Geral de Proteção de Dados.
Nesse contexto de crescente inovação, no que toca especificamente à fase da execução contratual, nos interessa responder às seguintes questões:
- i) O Whatsappé, de fato, uma ferramenta apropriada para a troca de informações entre o contratado (e seus representantes) e a Administração contratante?
- ii) A mencionada troca pode ser utilizada como elemento apto a consubstanciar a realização dos registros das ocorrências ligadas ao seu diligente acompanhamento?
Oportuno mencionar que o presente artigo não tem por objetivo detalhar a questão, todavia fomentar o debate, posto que o tema deve ser analisado e ponderado à luz do regime contratual dos contratos administrativos que tem como uma de suas características mais acentuadas o formalismo, instrumento adequado ao controle da legalidade dos atos
Dito isso, pelo presente, realiza-se uma análise da praxe na atuação de gestores e fiscais de contratos administrativos, que utilizam o aplicativo Whatsapp para comunicação com o contratado e seus representantes, alertando-os, de forma mais contundente, quanto ao cuidadoso atendimento a formalidades consideradas necessárias, especialmente no tocante ao uso das mensagens trocadas “como forma de registro das atividades fiscalizatórias”.
Assim, quanto à primeira questão, manifestar posição contrária ao uso desse formidável mecanismo de comunicação é o mesmo que negar a realidade dos fatos, pois, como ora mencionado, a utilização da ferramenta é prática comum e rotineira entre os responsáveis pela fiscalização dos contratos.
Trata-se, de forma pragmática, de medida alinhada ao princípio constitucional da eficiência, que trouxe maior agilidade quanto aos resultados imediatos pretendidos pela fiscalização do contrato, contribuindo, inclusive, com a diminuição do uso de recursos (papel, envio de correspondência física, tempo de trabalho). Contudo, há que se considerar que toda essa facilidade da comunicação não está isenta de barreiras comuns às organizações (mecânicas, físicas, pessoais, administrativas ou burocráticas, semânticas, excesso de informações e comunicações incompletas e parciais) que podem interferir no desempenho dos serviços, visto que a não regulamentação de sua utilização pode levar ao surgimento de situações de risco para os envolvidos e para a Administração.
Superada a questão relativa ao uso da ferramenta, verifica-se a segunda questão, que trata da utilização das mensagens trocadas entre o agente público e o contratado, como forma equivalente à anotação, em registro próprio, das ocorrências relacionadas à execução do contrato e das determinações para a regularização das faltas ou dos defeitos observados.
Ao que parece, a situação não é tão simples e deve ser analisada cum granum salis, sendo relevante considerar que os registros da fiscalização possuem elevado grau de importância para o processo de contratação, constituindo-se em verdadeiro histórico, memória ou DNA da fase executória. Esses registros são provas materiais de que o fiscal realizou, de forma pertinente e tempestiva, os atos necessários à apuração e à correção de faltas ou defeitos observados relacionados à correta execução do objeto, ou que, diante de situação que demandasse decisão superior, promoveu, em tempo hábil, a regular informação.
As anotações promovidas pelo agente público representam, ainda, fonte histórica para subsidiar o planejamento de futuras contratações; servem de meios probatórios que conduzem à apuração de responsabilidade das partes contratantes; são base informativa para a instrução de aplicação de penalidades, e, até mesmo para a extinção unilateral do contrato motivada por reiteradas falhas do contratado. Constituem-se também em atos administrativos formais que, se corretamente conduzidos, proporcionam ao agente público segurança profissional e patrimonial.
i)A IN nº 05/2017 – SEGES ao estabelecer as diretrizes para elaboração do projeto básico ou termo de referência já mencionava, como diretriz específica desses instrumentos, a prévia definição dos mecanismos de comunicação a serem estabelecidos entre o órgão ou entidade e a prestadora de serviços[7];
ii) A Lei nº 14.133/2021 estabelece que a gestão e a fiscalização do contrato deve ser exercida com base em documento elaborado na fase do planejamento da contratação, denominado modelo de gestão do contrato, que “descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade”[8], sendo essencial, para o entendimento que aqui se quer pacificar, que nele conste, expressamente,o protocolo de comunicação a ser utilizado entre o contratante e o contratado;
iii) O artigo 92 da Lei nº 14.133/2021 estabelece como cláusula necessária em todo contrato as que estabeleçam o modelo de gestão do contrato, “observados os critérios estabelecidos em regulamento”, o que conduz ao entendimento de que a escolha do Whatsapp como mecanismo de comunicação, para além do tratamento na fase do planejamento e/ou em contrato, também pode ser objeto de regulamento;
iii) O artigo 92 da Lei nº 14.133/2021 estabelece como cláusula necessária em todo contrato as que estabeleçam o modelo de gestão do contrato, “observados os critérios estabelecidos em regulamento”, o que conduz ao entendimento de que a escolha do Whatsapp como mecanismo de comunicação, para além do tratamento na fase do planejamento e/ou em contrato, também pode ser objeto de regulamento;
Nossas mensagens e documentos agora são digitais. Chegam em segundos, ao clicar em uma tecla, ao toque dos dedos ou em resposta a um comando de voz. É forçoso reconhecer que o uso do Whatsapp já se popularizou em toda Administração Pública, inclusive no mundo das compras/aquisições públicas. Entretanto, o emprego das mensagens trocadas pelas partes contratantes, como forma equivalente ao registro pela fiscalização é medida que deve ser ponderada com razoabilidade, considerando, conforme breve análise, a necessária previsão dessa forma de registro, seja no documento denominado modelo de gestão do contrato, seja no bojo do instrumento contratual ou no regulamento próprio do órgão/entidade.
Ainda que a ferramenta seja medida apta a otimizar a atuação da fiscalização dos contratos, a sua aplicabilidade deve ocorrer de forma segura tanto para o agente público como para a Administração, que deve cogitar em estratégias, estabelecer limites e regras a favor de todos os envolvidos. Além disso, há que se considerar que o desatendimento a determinadas formalidades pode conduzir à responsabilização dos envolvidos, especialmente em razão de eventuais prejuízos causados à Administração.
Conclui-se pela necessidade de se ampliar o debate sobre o tema, especialmente para o correto e eficiente uso do WhatsApp e de outras ferramentas em prol da melhoria da comunicação no âmbito das contratações públicas.
[1] Bacharel em Direito, Professora e Palestrante, Especialista em Especialista em Licitações e Contratos e em Direito Processual Civil, Servidora de Carreira do Judiciário Federal. Autora do livro Contratos Administrativos na Nova Lei de Licitações: teoria e prática – editora Juspodivm. Perfil no Instagram @o_xdagestao.
[2] Fonte: Estatísticas do usuário do WhatsApp 2021: quantas pessoas usam o WhatsApp? https://www.affde.com/pt/whatsapp-users.html , acesso 11/10/2021.
[3] Fonte: https://www.cnj.jus.br/
[4] https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-10.332-de-28-de-abril-de-2020-254430358
[5] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.129-de-29-de-marco-de-2021-311282132
[6] Cita-se como exemplo as disposições da Lei nº 14.133/2021 para a criação de catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras; instituição de sistemas informatizados de acompanhamento da execução contratual; identificação e assinatura digital por pessoa física ou jurídica em meio eletrônico, mediante certificado digital; centralização de informações públicas por meio do PNCP, entre outras. Fonte: Lei nº 14.133/2021, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm
[7] Conforme o item 2.6, “b”, do Anexo V, da IN nº 05/2017 – SEGES.
[8] Conforme o disposto no art. 6º, XXIII, “f”, da Lei 14.133/2021