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É POSSÍVEL FAZER DISPENSA DE LICITAÇÃO SEM DISPUTA NA NLLC?

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Ronaldo Corrêa
Comprador público federal, articulista, docente, especialista em Licitações e Contratos.

 

Introdução

 

Recentemente no meu perfil do Instagram eu respondi a um questionamento, que me enviaram através de uma caixinha de perguntas da série NLLC Questions: É possível fazer dispensa sem disputa? Como seria?

Por ser uma dúvida bastante comum a muitos colegas, além de responder com um vídeo rápido nos stories, decidi escrever esse texto, para detalhar um pouco melhor o esclarecimento que eu julgo necessário para a ocasião.

 

Da convocação para o envio de propostas adicionais

 

A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, comumente chamada de Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC, prevê, em seu art. 75, dezenas de hipóteses de contratação direta por dispensa de licitação, incluindo as dispensas de licitação em razão do valor, previstas nos incisos I e II, que são as mais conhecidas, juntamente com a dispensa emergencial.

Especificamente para as duas primeiras hipóteses, de dispensa de licitação em razão do valor do dispêndio no exercício, a NLLC prevê que deve ser feita preferencialmente a divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, com o propósito específico de obter propostas adicionais. Confira o excerto abaixo, com a redação completa do dispositivo.

 

  • Art. 75, § 3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.

 

Em primeiro lugar, observe-se que tal procedimento não é obrigatório, em que pese ser de uso preferencial e exigir motivação para o seu afastamento. Portanto, o órgão poderia dispensar justificadamente a divulgação de tal aviso. Uma possível forma de justificar a dispensa de tal aviso, seria a constatação de que exige-se um prazo mínimo de 4 (quatro) dias para a divulgação do aviso e a finalização da disputa no caso da Dispensa Eletrônica à qual se refere a Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 202. E como a Controladoria-Geral da União-CGU indica que o custo processual é diretamente proporcional ao tempo gasto no processo administrativo de contratação, se a potencial economia obtida na disputa não compensar tais custos, a Dispensa Eletrônica se tornaria “deficitária”. Se para a CGU e para a Secretaria de Gestão do Ministério da Gestão e Inovação – SEGES/MGI o órgão deve justificar o uso da licitação quando cabe dispensa de licitação por valor, acho defensável que se justifique não usar a disputa quando esta não se mostrar vantajosa para a Administração, no sentido de que o potencial de desconto a ser obtido na disputa não compense o aumento do custo processual. Poderia se analisar, por exemplo, o percentual médio de desconto obtido em disputas anteriores.

Em segundo lugar, observe-se que a lei determina que deve ser selecionada sempre a proposta mais vantajosa. E, para tanto, penso que possa ser adotado o procedimento de negociação, que a NLLC faculta para uso na licitação e seria no mínimo desarrazoado proibir a negociação no procedimento de contratação direta, já que para ele a legislação prevê controles menos burocráticos, e não há sequer previsão legal de disputa neste caso.

É importante observar que, pela ordem do texto constitucional, a isonomia é uma garantia intrínseca à licitação, não exigível nos casos onde o legislador permite afastar a licitação e realizar a contratação direta.

 

  • Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes…

 

É dizer que, se a Administração adotar legitimamente uma das hipóteses legais de contratação direta, não há que se impor a ela o dever de garantir a isonomia entre todos os potenciais interessados naquela contratação, já que se trata de contratação direta, sem obrigação de disputa. Até mesmo por isto o legislador previu o controle de fracionamento, que deve levar em conta o ramo de atividade dos potenciais fornecedores e, somente quando ultrapassado o limite legal de valor, somado ao longo de todo o exercício, é que o órgão fica obrigado a cumprir o dever constitucional de licitar e, com isto, garantir a isonomia.

Mas não se está aqui afirmando que estabelecer disputa para dispensa de licitação seja ilegal. Só alerto que a norma geral de licitação em si não prevê a disputa para estas hipóteses de contratação, afastando justificadamente a exigência de isonomia.

Se observarmos as exigências legais para o processo de contratação direta, vamos notar que no art. 72 da NLLC exige-se a indicação da “razão da escolha do contratado”, que pode ser entendida equivocadamente com alguma espécie de disputa. Em que pese a disputa poder sim justificar a escolha do fornecedor (mesmo ela não sendo obrigatória), há outras formas legítimas de se formular tal justificativa, como por exemplo pelo desempenho anterior na execução contratual, nos termos do §3º do art. 87 da NLLC, ou outro motivo válido.

Portanto, o simples fato da NLLC determinar que a contratação direta por dispensa de licitação em razão do valor deve garantir a seleção da proposta mais vantajosa, não significa que necessariamente deva haver qualquer espécie de disputa.

 

Da Dispensa Eletrônica

 

Mesmo diante da afirmação anterior – de que a norma geral de licitação em si não exige disputa para a seleção do fornecedor -, nos casos de contratação direta por dispensa de licitação em razão do valor, não se pode afirmar também que a previsão de disputa ou lances seja ilegal.

Observemos, por exemplo, o que diz o professor Joel de Memenez Nieburh acerca da Dispensa Eletrônica prevista na referida IN 67/2021, a qual é chamada por ele de “licitação disfarçada”:

“Dito de outro modo, o artigo 4º da Instrução Normativa n. 67/2021 fez obrigatório o que o § 3º do artigo 75 da Lei n. 14.133/2021 qualificou como meramente preferencial. Não há ilegalidade nisso, porque é legítimo que a Administração Pública, por sua vontade, como é o caso, se obrigue a algo que o legislador determinou ser preferencial, é legítimo fazer mais do que lhe foi prescrito.”

A pretexto de regulamentar a aplicação do §3º do art. 75 da NLLC, a referida IN 67/2021 dispôs sobre diversos outros procedimentos, além da divulgação do aviso convocando fornecedores para o envio de propostas adicionais, como por exemplo o envio de lances públicos e sucessivos por período nunca inferior a 6 (seis) horas ou superior a 10 (dez) horas, exclusivamente por meio do sistema eletrônico, o uso para os incisos III a seguir do art. 75 da NLLC e o uso para registro de preços nas contratações diretas. Nenhum destes procedimentos adicionais são previstos no referido §3º do art. 75 da NLLC, mas constam da norma operacional da Dispensa Eletrônica, pra uso pelos órgãos a ela vinculados.

O procedimento de disputa em si, não consta da NLLC mas entende-se que seja com ela compatível, assim como já ocorria com o Sistema de Cotação Eletrônica de Preços, criado com a publicação da Portaria MPOG nº 306, de 2001, editada com amparo no inciso II do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993.

Note-se que, além de não prever a disputa para a seleção de fornecedores nos casos de dispensa de licitação, a Lei nº 8.666, de 1993, não previa quaisquer procedimentos eletrônicos, seja para licitação ou para dispensa. Mas nem por isto a Cotação Eletrônica com disputa foi considerada ilegal, assim como também a Dispensa Eletrônica não o é.

Sobre a distinção entre a Dispensa Eletrônica e a Cotação Eletrônica, leia os textos que eu publiquei anteriormente aqui, aqui e aqui. São procedimentos distintos, previstos em normas distintas e com amparo em leis distintas.

A exemplo do que ocorre com as licitações, onde a prática de atos eletrônicos como por exemplo o uso de sítios eletrônicos oficiais ou de processo administrativo eletrônico, por si só não transforma um pregão presencial em um pregão eletrônico, a mera utilização de sítio eletrônico oficial para a divulgação do aviso ao qual se refere o §3º do art. 75 da NLLC, não transforma a dispensa de licitação prevista na norma geral de licitação em uma Dispensa Eletrônica, que é um procedimento criado por ato infralegal e com previsão de vários procedimentos adicionais aos previstos na lei.

Com isto, não há que se falar em dispensa de licitação “presencial”, já que a NLLC em si não prevê a existência de sessão pública para dispensa. Basta que se cumpra os requisitos previstos no art. 72 para o processo administrativo de contratação, tal como sempre foi feito para as dispensas de licitação da Lei nº 8.666, de 1993, nos casos onde não foi adotada a Cotação Eletrônica.

 

Da Possibilidade de Disputa na Dispensa Eletrônica

 

Ao criar a Dispensa Eletrônica, o Governo Federal optou por instituí-la através de norma operacional, qual seja a IN 67/2021, já mencionada anteriormente. E, ao prever as hipóteses de uso da Dispensa Eletrônica, ampliou-se enormemente o seu uso, conforme se verifica no excerto abaixo colacionado.

 

  • Art. 4º Os órgãos e entidades adotarão a dispensa de licitação, na forma eletrônica, nas seguintes hipóteses:
  • I – contratação de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores, no limite do disposto no inciso I do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021;
  • II – contratação de bens e serviços, no limite do disposto no inciso II do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021;
  • III – contratação de obras, bens e serviços, incluídos os serviços de engenharia, nos termos do disposto no inciso III e seguintes do caput do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021, quando cabível; e
  • IV – registro de preços para a contratação de bens e serviços por mais de um órgão ou entidade, nos termos do § 6º do art. 82 da Lei nº 14.133, de 2021.

 

Para os órgãos federais do Sistema de Serviços Gerais – SISG, o uso da Dispensa Eletrônica é a única forma de se divulgar o aviso ao qual se refere o §3º do art. 75 da NLLC, para a obtenção de propostas adicionais para os casos de dispensa de licitação em razão do valor. Consequentemente, ao divulgar tal aviso o órgão programará também a realização de sessão pública para o recebimento de lances. Ou seja, nestes casos sempre haverá disputa.

No âmbito do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG a divulgação das contratações diretas no Portal Nacional de Contrações Públicas – PNCP, realizada em cumprimento ao Parágrafo único do referido art. 72, ocorre imediatamente após o cadastramento da dispensa de licitação no sistema, seja ela com ou sem disputa.

E, como já indicado anteriormente, a divulgação de aviso para a obtenção de propostas adicionais é uma preferência e não um dever legal, sendo possível justificar a sua não adoção. No entanto, é necessário justificar sempre que o órgão optar por não realizar a disputa.

Pensando nisto, o Manual do Sistema de Dispensa Eletrônica, disponível no Portal de Compras do Governo Federal e previsto no §1º do art. 3ºda IN 67, esclarece que a Dispensa Eletrônica pode ser utilizada sem a previsão de disputa. Para tanto, basta marcar a opção Não no campo “Compra Com Disputa?”, conforme ilustrado na imagem abaixo.

Fonte: gov.br/compras

 

Ou seja, mesmo que a IN 67 exija uso da Dispensa Eletrônica pelos órgãos federais do SISG, e mesmo que para a publicação da contratação direta no PNCP seja obrigatório o uso do SIASG, a norma não exige que haja disputa em toda e qualquer Dispensa Eletrônica. Tal opção é uma possibilidade, a ser adotada “a critério do gestor”, desde que adequadamente motivada, nos termos da Lei nº 9.784, de 1999, cujo excerto segue abaixo transcrito.

 

  • Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
  • IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
  • 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

 

Observe-se ainda que a IN 67/2021 prevê a sua aplicação para além dos incisos I e II do art. 75 da NLLC, quando couber, extrapolando assim o que trata o §3º do art. 75 da NLLC, que se refere unicamente às dispensas de licitação por valor. No entanto, a norma operacional federal fixa que, a aplicação da Dispensa Eletrônica para as hipóteses de dispensa de licitação previstas nos incisos III e seguintes do caput do art. 75 da NLLC, deve ser feita somente “quando cabível”.

 

Da Implementação da Dispensa Eletrônica em Outros Entes

 

Considerando que o órgão central do Sistema de Serviços Gerais – SISG do Governo Federal instituiu o Sistema de Dispensa Eletrônica por meio de ato infralegal. E levando em conta que tal procedimento não é ilegal, conforme bem esclarece o professor Joel Niebuhr. É possível concluir que os entes municipais e estaduais podem editar ato infralegal e instituir procedimentos similares, ou até mesmo adotar a Dispensa Eletrônica do SISG, conforme fixa a NLLC:

 

  • Art. 187. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados pela União para execução desta Lei.

 

Como o Sistema de Dispensa Eletrônica instituído pelo Governo Federal prevê muitos outros procedimento além daquele previsto no §3º do art. 75 da NLLC, caso o ente prefira instituir a Dispensa Eletrônica de outra forma, mais simplificada e aderente à sua realidade, penso ser totalmente possível, pois no que se refere à Dispensa Eletrônica, não se trata de norma geral de licitação, sendo facultado que cada ente normatize o procedimento, preferencialmente levando em conta a sua realidade local e as necessidades específicas existentes. Tal possibilidade consta da própria IN 67, quando se refere às contratações diretas dos entes federados que usam recursos da União oriundos de transferências voluntárias:

 

  • Art. 3º, § 3º Em caso de não utilização do Sistema Dispensa Eletrônica pelos órgãos e entidades de que trata o art. 2º, o procedimento estabelecido nesta Instrução Normativa deverá ocorrer em ferramenta informatizada própria ou outros sistemas disponíveis no mercado, desde que estejam integrados à Plataforma +Brasil, nos termos do Decreto nº 10.035, de 1º de outubro de 2019.

 

Alerto, porém, que mesmo sendo possível a adoção dos regulamentos federais, tal adoção deve ser feita por ato próprio, expedido pela autoridade competente em cada ente. Isto se dá com base no princípio constitucional da simetria aplicado ao que fixa o art. 87, IV da Constituição Federal. De forma que a competência para regulamentar a NLLC é conferida a autoridade específica no âmbito de cada ente, não sendo correto concluir que a NLLC tenha alterado tais competências constitucionais privativas.

 

Conclusões

 

Especificamente para as duas primeiras hipóteses de dispensa de licitação – em razão do valor do dispêndio no exercício -, a NLLC prevê que deve ser feita preferencialmente a divulgação de aviso, em sítio eletrônico oficial, com o propósito específico de obter propostas adicionais. Tal procedimento deve garantir a seleção da proposta mais vantajosa. E, para tanto, pode ser adotado o procedimento da negociação e não necessariamente a disputa.

A Dispensa Eletrônica foi prevista na Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 2021, que, além de regulamentar a aplicação do §3º do art. 75 da NLLC, previu vários outros procedimentos novos, como por exemplo o envio de lances e sessão pública com duração mínima de 6 (seis) e máxima de 10 (dez) horas, exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

Especificamente para as duas primeiras hipóteses de dispensa de licitação – em razão do valor do dispêndio no exercício -, a NLLC prevê que deve ser feita preferencialmente a divulgação de aviso, em sítio eletrônico oficial, com o propósito específico de obter propostas adicionais. Tal procedimento deve garantir a seleção da proposta mais vantajosa. E, para tanto, pode ser adotado o procedimento da negociação e não necessariamente a disputa.

A Dispensa Eletrônica foi prevista na Instrução Normativa SEGES/ME nº 67, de 2021, que, além de regulamentar a aplicação do §3º do art. 75 da NLLC, previu vários outros procedimentos novos, como por exemplo o envio de lances e sessão pública com duração mínima de 6 (seis) e máxima de 10 (dez) horas, exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

Os entes federados podem optar por adotar o Sistema de Dispensa Eletrônica do Governo Federal ou editar ato próprio, expedido pela autoridade competente, instituindo procedimento de obtenção de propostas adicionais mais aderente à realidade local e às necessidades específicas existentes.

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