CÉSAR AUGUSTO WANDERLEY OLIVEIRA [1]
TALITA MÔNICA DE OLIVEIRA [2]
Introdução
Conforme é cediço, após muitos anos de discussão perante os tribunais acerca do mandado de segurança e da sua aplicação em casos específicos oriundos de processo licitatório, houve uma pacificação da jurisprudência e, com isso, a diminuição considerável das discussões meramente abstratas e formais quanto ao interesse de agir entre outras condições da ação. Ocorre que mesmo após essa sinalização harmoniosa quanto ao necessário controle de arbitrariedades pelo Judiciário, todos os autores envolvidos no cumprimento e adequação da medida judicial ainda encontram dificuldades em conciliar os efeitos da prestação jurisdicional e a função precípua do processo administrativo, causando muitas vezes a inviabilidade do objeto e o desperdício de recursos público cada vez mais escassos. O presente artigo tem o objetivo de realizar uma breve análise da evolução da jurisprudência e propor tópicos direcionados à ‘modulação de efeitos’ da decisão que devem ser considerados pelas partes visando o simultâneo atendimento ao interesse público e a legalidade no tocante às obras públicas.
Dos requisitos do writ
Em uma apertada recaptulação o mandado de segurança tem cabimento, nos termos do art. 5º, inciso LXIX, da CF/88, para a proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública, in verbis:
- “Art.5º. (…). LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por “habeas-corpus” ou “habeas-data”, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; (…).”
Para que seja reconhecido o direito líquido e certo, é necessário que este, consoante o magistério de Hely Lopes Meirelles (in Mandado de Segurança e outras. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 37), apresente-se:
- Para que seja reconhecido o direito líquido e certo, é necessário que este, consoante o magistério de Hely Lopes Meirelles (in Mandado de Segurança e outras. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 37), apresente-se:
É imprescindível, portanto, que haja prova pré-constituída dos fatos articulados na inicial do mandamus, porquanto este não admite dilação probatória, de forma que todos os documentos necessários para a comprovação do alegado devem ser acostados aos autos pelo impetrante, no momento da impetração.
O pedido liminar está presente na maioria dos mandamus, existindo em muitos casos até uma confusão entre esse pedido precário e o mérito em si. Essa medida pode ser entendida como “uma providência cautelar destinada a preservar a possibilidade de satisfação, pela sentença, do direito do impetrante[3]” impedindo que a decisão pelo retardamento da concessão da medida não mais satisfaça a necessidade do impetrante.
Para a suspensão do ato a qual é dirigido é necessário ser “relevante o fundamento do pedido e do ato impugnado poder resultar dano não suscetível de reparação pela decisão final.[4]”
Logo, quando a Constituição Federal se refere à proteção de direito líquido e certo, quer dizer que busca com a concessão da medida, conforme o pensamento de Carmen Lúcia Antunes Rocha “[…] salvaguardar, de deixar incólume, o direito líquido e certo ameaçado ou confrontado, e não se substituí-lo por eventual ressarcimento ou forma compensatória: enfim, o mandado de segurança visa proteger o direito de agravo e não reparar dano, dele decorrente[5]”
O primeiro requisito consiste na relevância do direito que diuturnamente está compreendido na ilegalidade da realização de atos manifestamente contrários imediatamente ao Edital e mediatamente às bases principiológicas do Direito e a legislação aplicável. O perigo de ineficácia da medida, por consequinte, resulta na maioria das vezes da iminência de uma contratação não só ilegal, pois feita em violação aos princípios acima elencados, mas também imoral, pois manifestamente contrária aos interesses públicos.
O primeiro requisito consiste na relevância do direito que diuturnamente está compreendido na ilegalidade da realização de atos manifestamente contrários imediatamente ao Edital e mediatamente às bases principiológicas do Direito e a legislação aplicável. O perigo de ineficácia da medida, por consequinte, resulta na maioria das vezes da iminência de uma contratação não só ilegal, pois feita em violação aos princípios acima elencados, mas também imoral, pois manifestamente contrária aos interesses públicos.
Da jurisprudência no que concerne a não perda do interesse de agir pela homologação do resultado da licitação, da adjudicação e da celebração do contrato administrativo
Antiga discussão girava em torno da eventual perda do objeto em razão da homologação do resultado da licitação, da adjudicação e da celebração do contrato administrativo.
Tal entendimento, ora superado, encontrava azo em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça[6], Tribunais Regionais Federais[7] e enunciado das Câmaras de Direito Público[8].
A tutela jurisdicional nos certames sempre requereu cuidados especiais, sob o risco de causar, na superveniência do contrato, a irreversibilidade da medida – quando existe provimento liminar – ou até a inviabilidade da execução do processo tutelado no caso de julgamento de mérito em sentido contrário a liminar.
O fundamento primordial da jurisprudência colacionada residia na “teoria do fato consumado”, que acreditava que a finalização do certame licitatório consolidaria a situação fática e impediria a discussão sobre atos pretéritos, ensejando, assim, a perda superveniente do interesse de agir da impetrante. Em outras palavras, o provimento judicial não seria mais útil para o caso concreto levado a conhecimento do Poder Judiciário, causando a falta de uma das condições da ação.
A interpretação, data maxima venia, ignorava uma premissa básica: se o procedimento licitatório é eivado de nulidades de pleno direito desde seu início, a adjudicação e a posterior celebração do contrato também o são.
Permitiria nessa seara existir um vício no decorrer do procedimento licitatório capaz de gerar a nulidade do próprio contrato administrativo, segundo dispõe o Inciso II, Artigo 71, da Lei Federal 14.133/21. Ao tempo, sob a égide da 8.666/93, o ministro Mauro Campbell do STJ salientou, quando do julgamento do REsp 1.059.501/MG, que “entendimento diverso equivaleria a dizer que a própria Administração Pública, mesmo tendo dado causa às ilegalidades, pode convalidar administrativamente o procedimento, afastando-se a possibilidade de controle de arbitrariedades pelo Judiciário (malversação do artigo 5º, inc. XXXV, da Constituição da República vigente).”
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou:
- ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. ADJUDICAÇÃO SUPERVENIENTE. PERDA DO OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que a superveniente homologação/adjudicação do objeto licitado não implica a perda do interesse processual na ação em que se alegam nulidades no procedimento licitatório, aptas a obstar a própria homologação/adjudicação, como é o caso dos autos. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no RMS 52.178/AM, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/2017, DJe 02/05/2017)
- ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SUPERVENIENTE ADJUDICAÇÃO. PERDA DO OBJETO NÃO CONFIGURADA. PRESERVAÇÃO DO INTERESSE DE AGIR.1. “A superveniente adjudicação não importa na perda de objeto do mandado de segurança, pois se o certame está eivado de nulidades, estas também contaminam a adjudicação e posterior celebração do contrato” (AgRg na SS 2.370/PE, Rel. Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 23/9/2011). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.223.353/AM, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 18/3/2013; AgRg no AREsp 141.597/MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 31/10/2012.2. Recurso Especial não provido.(REsp 1643492/AM, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 20/04/2017)
Ocorre que mesmo após o alinhamento doutrinário e jurisprudencial supramencionado, persistem os cuidados do juízo ao deferir liminar ou analisar o mérito principalmente no que concerne a uma modulação dos efeitos, tópico que também deve figurar nas peças das partes envolvidas promovendo uma tutela jurisdicional adequada e eficiente.
Do pedido de ‘modulação dos efeitos’ das medidas derivadas de Mandado de Segurança em licitações de Obras
Preliminarmente, esclarecemos que o termo ‘modulação dos efeitos’ – derivado do art. 27 da Lei 9.868/99[9] – está sendo utilizado no sentido metafórico, querendo se referir tanto ao cuidado do juízo a considerar questões particulares da obra e sua situação atual, quanto das partes envolvidas em esclarecer em seus pedidos essas minúcias, conduzindo o processo à resolução do mérito sem desprestigiar a finalidade do processo administrativo, no caso em análise, uma obra pública.
Ninguém melhor do que a autoridade coatora e as empresas concorrentes/contratadas para relatar os resultados práticos da medida vindoura, visto que não se busca a perpetuação de nulidades, mas seu saneamento, retornando ao status quo ante salvaguardando, no que for possível, a finalidade e o erário.
Os Tribunais de Contas, por exemplo, já demonstram preocupação com a determinação de suspensão de obras, exigindo apresentação de plano de ação para impedir que as intempéries continuem danificando serviços já realizados[10], e ainda buscam, por meio de orientações normativas, maior eficiência na análise de procedimentos de obras[11].
O Tribunal de Contas da União – TCU, juntamente com Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça e Tribunais de Contas dos Estados, por meio da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), somaram esforços para estudar as problemáticas das obras paralisadas no Brasil, assunto que já vinha sendo trabalhado pela Frente Nacional de Prefeitos.
O TCU, por sua Secretaria de Controle Externo de Tomada de Contas Especial, discorre importante comentário sobre as paralisações das obras, conforme colacionamos abaixo:
- As paralisações de obras podem gerar efeitos deletérios maiores à sociedade do que a continuidade dos trabalhos pelas empreiteiras [mesmo sob suspeita de prática de superfaturamento], visto que se constatada e confirmada a irregularidade [superfaturamento] basta fazer o ajuste de contas objetivando o ressarcimento ao erário junto à empreiteira que recebeu os pagamentos indevidos, ao passo que a paralisação, sem a comprovação posterior do superfaturamento (a irregularidade) provoca, conforme ocorreu nesta TCE, danos sociais irreversíveis, dada a impossibilidade de aproveitamento economicamente viável da parcela executada, e sem qualquer condição de reparação do danos (Tribunal de Contas da União – Secretaria de Controle Externo de Tomada de Contas Especial – TC 005.956/2019-6).
Essa reflexão quanto as consequências do cumprimento da medida deveriam permear não só as decisões judiciais, mas também as peças defensivas da Administração, como também a manifestação do Ministério Público como custos legis, além do particular detentor da obra a ser interrompida, no sentido de indicar as providências mínimas necessárias a assegurar a integridade do que já foi construído evitando o desperdício dos recursos já aplicados.
Veja, a ocorrência mais comum na utilização do remédio constitucional é quando existe a declaração da inabilitação da empresa “a”, a qual, inconformada, ajuíza writ sob a alegação de que a decisão da Comissão de Licitação seria contrária ao que dispõe a lei, estando, por conseguinte, ilegal.
Na primeira situação, imaginemos que o magistrado concedeu a liminar determinando o afastamento do motivo da inabilitação da empresa e assegurando a manutenção de sua participação. Vencida a etapa habilitatória, a comissão passou para a aferição dos preços (tomando como base o rito clássico da Lei nº 8.666/93), sagrando-se vencedora a empresa impetrante. Ocorre então a adjudicação, homologação e assinatura do contrato em seu benefício com a pertinente ordem de serviço. Com 20% do objeto executado ocorre a denegação da segurança e consequente cassação da liminar.
Para o cumprimento da decisão haveria a obrigação de desfazimento das fases do certame o que muitas vezes é impossível pela própria natureza da modalidade adotada.
Explico. Mesmo antes do advento da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (a Lei nº 14.133/21) já havia a possibilidade de inversão de fases nas modalidades da Lei nº 8.666/93 – cite-se que o rito clássico poderá ser utilizado por até dois anos, logo não restou revogado – quer dizer, após uma necessária regulamentação, a comissão poderia aferir preços e somente abrir o envelope da habilitação da menor proposta. Concluído o procedimento e homologada a licitação esses documentos lacrados são devolvidos, preservando o seu sigilo. Nesse exemplo, cassada a liminar, a administração teria que desfazer a licitação pois não existiriam outros concorrentes na linha de classificação. A repetição da licitação poderia facilmente causar a inviabilidade do processo como um todo.
Novamente: não queremos dizer que a manutenção da ilegalidade seria o melhor caminho, contudo, até em seu cumprimento alguns cuidados mínimos poderiam diminuir sobremaneira o risco desse empreendimento se tornar inviável, um “elefante branco”, termo como as obras paradas são conhecidas.
Imaginemos que o percentual citado estivesse ainda ligado a estrutura da edificação, seria razoável esperar do administrador que promovesse as medidas necessárias antes da paralisação a assegurar o mínimo de proteção desses elementos inacabados diminuindo os riscos de perecimento e tornando possível a continuação após a nova contratação?
A resposta poderia simplificar uma situação que é complexa.
Se por um lado nos parece evidente que a própria decisão judicial deveria balizar-se nos termos do arts. 20[12] e 21[13] da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – em demonstrar a necessidade e adequação da invalidação, trazer os motivos pelos quais não foi aplicada uma medida alternativa eventualmente cabível e indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas quando decidisse invalidar atos, contratos, ajustes – esse também é um dever concorrente ao administrador, mesmo que alegue não estar tomando a decisão, mas somente cumprindo a do magistrado. Também nesse sentido comenta Márcio Cavalcante, conforme abaixo transcrevemos:
- “no caso de invalidação de contrato administrativo, a autoridade pública julgadora que determinar a invalidação deverá definir se serão ou não preservados os efeitos do contrato, como, por exemplo, se os terceiros de boa-fé terão seus direitos garantidos. Deverá, ainda, decidir se é ou não o caso de pagamento de indenização ao particular que já executou as prestações, conforme disciplinado pelo art. 59 da Lei nº 8.666/93”.
Em que pese sejam linhas que se tornam mais comuns nas sentenças no rito ordinário, ainda percebemos uma ausência de considerações mais minuciosas na concessão ou não da segurança quando o objeto são obras públicas.
Salutar que as partes deveriam, dentro de seu interesse processual, munir o juízo dessas informações para a decisão poder modular seus efeitos de maneira efetiva. Inicialmente, isso caberia à autoridade coatora – tendo em vista que o mandamus é direcionado a quem tem o poder de rever o ato. Inclusive essa primeira comunicação já poderia esclarecer um grande mal entendido recorrente no cumprimento do mandamus, pois muitas vezes a sentença aporta ao processo administrativo quando o objeto já está sendo executado e, em que pese o Coordenador ou Superintendente Municipal de Licitações sejam as figuras mais comuns no organograma da administração a deter a competência para homologar o certame, por consequência da execução da obra em si já estão distantes da realidade do direito tutelado, devendo se socorrer das informações trazidas pelo gestor e pelo fiscal do contrato, por exemplo.
Ainda nesse sentido, quando a empresa vencedora não é a impetrante, embora não figure como litisconsorte passivo necessário, esta também poderá trazer valiosas informações do contexto fático da obra, além de suas razões jurídicas quanto à legalidade do certame anterior que lhe elegeu como melhor proposta.
Malgrado as informações terem natureza administrativa e não propriamente jurídicas, o órgão de representação da administração na maioria dos casos participa pelo menos no encaminhando destas considerações, oportunidade que também lhe seria razoável ponderar os efeitos do que se discute.
O causídico mais atento sabe que a repetição de uma licitação não é a mera reprodução dos documentos e a devolução dos prazos, mas sim a atualização de inúmeros elementos essenciais do processo que, muitas vezes, podem levar à inviabilidade. Existem metas de convênios que não podem ser reprogramadas, causando a indisponibilidade dos recursos e a impossibilidade de publicação do certame nos termos do Inciso IV do art. 72 da Lei 14.133/21, ou Inciso III, do §2º , do Art. 7º da Lei 8.666/93.
Sem esquecer que antes da publicação é obrigatória a aferição dos orçamentos com o valor atual de mercado, a atualização desses valores causaria a necessidade de repactuação com o órgão concedente, o que também na maioria das vezes resulta na revogação de licitações quando são impugnadas neste particular.
Para melhor ilustrar, o Índice Nacional da Construção Civil (Sinapi) encerrou 2020[14] com alta de 10,16%, quer dizer, uma liminar concedida no ano passado, resultaria em uma republicação da licitação com uma defasagem de mais de dez por cento. É necessário esclarecer um equívoco comum aos menos familiarizados com Licitações, que consiste em achar que os Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) apresentados pelas empresas em suas propostas pode servir como sinônimo para seu lucro. Na construção de edifícios, por exemplo, a referência utilizada é de 25,00%, contudo, desse percentual apenas 8,96% realmente é lucro, nos termos do emblemático Acórdão 2.622/2013 – Plenário TCU. Ou seja, ainda que não houvesse flutuações acima dos índices oficiais – que em muitos casos é utilizado cumulativamente a cotações que variam ainda mais – essa licitação já estaria fadada a no mínimo uma fuga expressiva de interessados. Afinal, quem concorre para iniciar a execução de uma obra pública com um prejuízo presumido?
Voltando às hipóteses, também poderia acontecer da liminar da empresa “a” não ser deferida, sagrando-se vencedora e adjudicatária a empresa “b”, na ocorrência de concessão da segurança, abandonando a concepção de “fato consumado” que esclarecemos a seguir, haveria a necessidade de revogar o contrato firmado, anulando os atos posteriores a etapa classificatória. O que também encontraria vários obstáculos além dos já trazidos.
Agora a empresa “a” estaria concorrendo na verdade a uma obra remanescente, pois parte do objeto já foi executado pela empresa “b”. Todo o equilíbrio financeiro do contrato foi alterado, além do próprio valor de mercado ter flutuado dentro de patamares imprevisíveis dando conta que necessita ser reequilibrado (ou não), o objeto em si também mudou. No mínimo o “novo” contrato já seria iniciado com um aditivo de supressão dos serviços já executados, isso sem esquecer que o exemplo leva em conta o modelo clássico quando a administração determina todas as etapas construtivas no projeto básico e determina o ritmo da obra em harmonia com o cronograma de desembolso ou físico-financeiro.
Voltando às hipóteses, também poderia acontecer da liminar da empresa “a” não ser deferida, sagrando-se vencedora e adjudicatária a empresa “b”, na ocorrência de concessão da segurança, abandonando a concepção de “fato consumado” que esclarecemos a seguir, haveria a necessidade de revogar o contrato firmado, anulando os atos posteriores a etapa classificatória. O que também encontraria vários obstáculos além dos já trazidos.
Agora a empresa “a” estaria concorrendo na verdade a uma obra remanescente, pois parte do objeto já foi executado pela empresa “b”. Todo o equilíbrio financeiro do contrato foi alterado, além do próprio valor de mercado ter flutuado dentro de patamares imprevisíveis dando conta que necessita ser reequilibrado (ou não), o objeto em si também mudou. No mínimo o “novo” contrato já seria iniciado com um aditivo de supressão dos serviços já executados, isso sem esquecer que o exemplo leva em conta o modelo clássico quando a administração determina todas as etapas construtivas no projeto básico e determina o ritmo da obra em harmonia com o cronograma de desembolso ou físico-financeiro.
Não é demais lembrar que a Administração tem um histórico de incentivar o particular a judicializar suas pretensões pela insegurança em relação aos órgãos de fiscalização. Ou seja, esse Mandado de Segurança, mesmo que indiretamente, voltaria a abarrotar o Judiciário.
Considerações Finais
Diante das considerações trazidas podemos entender que uma maior atenção dos atores envolvidos no Mandado de Segurança quanto ao cumprimento da liminar ou da segurança pode ser fator crucial na viabilidade do processo administrativo em si, conseguindo harmonizar a tutela jurisdicional e a finalidade do ato administrativo ou fadando aquele objeto ao fracasso e a sociedade à privação dessa benfeitoria.
A consecução destes objetos, em especial as obras públicas, em um cenário de sucessivos contingenciamentos de recursos e recessão econômica faz com que as disposições da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro tomem um relevo ainda mais evidente. Ao administrador, antes do mero cumprimento da ordem judicial, torna-se imperioso sopesar as consequências da invalidação do ato, comunicando o juízo desses desdobramentos que podem não ter sido comunicados ou conhecidos pelo impetrante ou até mesmo pelo impetrado quando ofereceu informações.
O Ministério Público como fiscal da lei, também deve chamar atenção aos possíveis efeitos da invalidação da medida de maneira abrupta, primando pela defesa da ordem jurídica e dos interesses da sociedade.
Tal como fez a administração ao justificar a necessidade dessa obra do ponto de vista da viabilidade nas suas várias faces, também deveria considerar as consequências práticas oriundas da modificação de uma das condições do processo, como a empresa contrata ou até os preços praticados após esse lapso temporal entre a impetração e a concessão da segurança.
Os esforços devem ser direcionados a conclusão do processo administrativo e a disponibilização daquela melhoria para a população em detrimento de discussões meramente principiológicas destinadas a uma “legalidade” estanque, ou seja, o afastamento da legalidade estrita e a busca da legalidade em seu sentido mais amplo, onde se harmonizam princípios constitucionais que restariam violados por uma decisão fundada unicamente na legalidade estrita.
O objeto de todos os atores do processo, deveria ser a efetividade da Constituição, ou a noção de juridicidade administrativa de Merkl. Ou seja, a ideia de vinculação da Administração Pública diretamente à Constituição, em especial aos seus princípios, representando a superação do positivismo legalista, abrindo caminho para um modelo jurídico baseado em princípios e regras, e não apenas nestas últimas.
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 maio 2018.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Orientações para elaboração de planilhas orçamentárias de obras públicas / Tribunal de Contas da União, Coordenação-Geral de Controle Externo da Área de Infraestrutura e da Região Sudeste. – Brasília : TCU, 2014. 145 p. : il.
MEIRELLES, Hely Lopes. in Mandado de Segurança e outras. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 37.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7° ed. Revista ampliada e atualizada. São Paulo: Atlas, 2000. p.248.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22° ed. Atual – São Paulo: Saraiva, 2001. p.248.
Carmen Lúcia Antunes Rocha apud Bueno, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.49.
[1] CÉSAR AUGUSTO WANDERLEY OLIVEIRA
Advogado. Mestre em Amazônia e Políticas de Desenvolvimento – Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Pós-graduado em Direito Tributário e Processo Civil – Universidade Anhanguera-UNIDERP. Graduado pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia. Atuou como Pregoeiro e Presidente da Comissão Permanente de Licitação de Obras da Prefeitura Municipal de Porto Velho. Assessor Técnico do Conselho Gestor de Parcerias Público Privadas do Município de Porto Velho. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário, Administrativo e Ambiental. Foi Professor da Graduação e Pós-Graduação na União das Escolas Superiores de Rondônia – UNIRON, nas disciplinas de Processo Civil, Direito Civil e Direito Administrativo. Presta assessoria, consultoria e promove capacitação em Licitações, Contratos Administrativos e Processo Sancionatório. E-mail: cesarwanderley@gmail.com Instagram @prof.cesarwanderley
[2] TALITA MÔNICA DE OLIVEIRA
Advogada. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho – Faculdade Católica de Rondônia – FCR. Graduada pela Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON. Atuou como Assessora Jurídica no Ministério Público do Estado de Rondônia – MP/RO. Assessora Jurídica do Ministério Público de Contas de Rondônia – MPC/RO. E-mail: talitaoliveira.advogada@gmail.com
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7° ed. Revista ampliada e atualizada. São Paulo: Atlas, 2000. p.248.
[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22° ed. Atual – São Paulo: Saraiva, 2001. p.248.
[5] Carmen Lúcia Antunes Rocha apud Bueno, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p.49.
[6] RECURSO ESPECIAL Nº 984.968 – MG (2007/0211170-7) – RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON – EMENTA – PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – PERDA DE OBJETO. – 1. A jurisprudência desta Corte considera inviável mandado de segurança, por perda de objeto, se no processo licitatório já ocorreu a adjudicação do contrato. Precedentes. 2. Recurso especial não provido.
[7] PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. TÉRMINO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDA DO OBJETO.1. Verifica-se a perda do objeto do mandado de segurança quando impetrado pela empresa após a adjudicação do objeto da licitação ao vencedor e, posteriormente, firmado o respectivo contrato de prestação de serviços. (Precedentes: STJ, RMS 17065, DJ 28.02.2005, Rel. Min. Luiz Fux e desta Corte, AMS 2003.83.00.001333-0, DJU 18.11.2005, Rel. Des. Fed. Conv. Edilson Nobre).2. Inexistência de interesse de agir da impetrante ora apelante.3. Apelação improvida.
[8] Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça do Paraná – Enunciado n.º 05: Extingue-se, sem resolução de mérito por superveniente perda de interesse processual, o processo qualquer que seja a ação que o originou no qual se impugna procedimento de licitação quando, durante o seu transcorrer, encerrar-se o certame com a homologação e adjudicação do seu objeto, desde que não haja liminar deferida anteriormente
[9] Lei nº 9.868 de 01 de Novembro de 1999 – Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
[10] Disponível em: https://www.atricon.org.br/imprensa/noticias/tce-go-decide-gestores-fiscais-e-empresarios-vao-responder-por-prejuizos-em-obras-estaduais-paralisadas/ acesso em 13 de maio de 2021
11] Disponível em: http://www.tce.ro.gov.br/tribunal/legislacao/arquivos/OriNorm-1-2020.pdf Acesso em 13 de maio de 2021
[12] “Art. 20 . Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”
[13] “ Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.”
[14] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-01/inflacao-da-construcao-civil-atinge-1016-em-2020 Acesso em 10 de maio de 2021
[15] LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021 – Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se: (…)XXX – empreitada integral: contratação de empreendimento em sua integralidade, compreendida a totalidade das etapas de obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade do contratado até sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, com características adequadas às finalidades para as quais foi contratado e atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização com segurança estrutural e operacional;